1 – Obesidade no mundo e no Brasil
A obesidade está crescendo no mundo e principalmente no Brasil. De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a obesidade é considerada como um dos maiores problemas de saúde pública atualmente. No mundo, existem hoje cerca de dois bilhões de pessoas com sobrepeso ou obesidade.
No Brasil, a população de obesos também tem aumentado de forma alarmante. Segundo estudo publicado na revista científica inglesa The Lancet e dados do Ministério da Saúde, o país já tem mais da metade da população acima do peso ou obesa (55,4% dos adultos brasileiros), sendo maior o número de casos entre as mulheres (58% das mulheres e 52% dos homens).
2 – Definição e causas
É uma doença caracterizada pelo excesso de gordura no corpo e decorrente de vários fatores que resultam da interação de aspectos genéticos, ambientais, emocionais e também do estilo de vida. O ganho de peso é consequência do desequilíbrio constante entre o maior consumo e o menor gasto calórico, que resulta em sérios prejuízos à saúde. Os hábitos alimentares modernos favorecem o consumo exagerado de alimentos com alto valor calórico, mas sem qualidade nutricional e que podem provocar transtornos de compulsão alimentar.
Outro fator importante no ganho de peso é o sedentarismo e, por isso, é necessário incluir atividades físicas regulares no dia a dia. Além disso, existe um componente genético associado à obesidade, pois quando os pais são obesos, a possibilidade do filho também ser obeso pode chegar a 80%. Por fim, algumas alterações hormonais podem contribuir para o ganho de peso.
A obesidade se relaciona diretamente com outras doenças e pode ser causa delas, como hipertensão arterial, Diabetes Mellitus, aumento do colesterol (dislipidemia), esteatose hepática (acúmulo de gordura no fígado), dores articulares e lombares, infartos cardíacos, apnéia obstrutiva do sono e depressão.
3- Classificação
O parâmetro mais usado para definir a obesidade é o Índice de Massa Corporal (IMC). Para calculá-lo, basta dividir o peso em quilogramas pelo quadrado da altura em metros (IMC = peso / altura x altura). O IMC é apenas um indicativo de peso ideal. Outros fatores como sexo, idade, condicionamento físico devem ser levados em conta. O valor normal em adultos é entre 18,5 kg/m² e 24,9 kg/m². A obesidade leve é caracterizada como IMC entre 30kg/m² e 35kg/m², obesidade moderada é definida como IMC maior que 35kg/m² (grau II) e grave se IMC maior que 40kg/m² (grau III).
Recentemente, o Conselho Federal de Medicina publicou no Diário Oficial da União a Resolução n° 2.131/15 que determinou o aumento do rol de comorbidades associadas à obesidade para indicação de cirurgia bariátrica em pacientes com IMC entre 35 kg/m² e 40 kg/m².
Agora, além de comorbidades como Diabetes Mellitus tipo 2, apnéia do sono, hipertensão arterial, dislipidemia, doença coronariana, osteoartrites, consta também na nova resolução a inclusão de doenças cardiovasculares (infarto do miocárdio, angina, insuficiência cardíaca congestiva, acidente vascular cerebral, hipertensão e fibrilação atrial, cardiomiopatia dilatada, cor pulmonale e síndrome de hipoventilação), asma grave não controlada, osteoartroses, hérnias de disco, refluxo gastroesofágico com indicação cirúrgica, colecistopatia calculosa, pancreatites agudas de repetição, esteatose hepática, incontinência urinária de esforço na mulher, infertilidade masculina e feminina, disfunção erétil, síndrome dos ovários policísticos, veias varicosas e doença hemorroidária, hipertensão intracraniana idiopática, estigmatização social e depressão.
Além disso, houve mudança em relação a idade mínima para o paciente ser submetido a cirurgia que permite jovens entre 16 e 18 anos, desde que analisada a relação custo / benefício e avaliação das cartilagens de crescimento por um endocrinopediatra.
4 – Tratamento clínico
O tratamento para obesidade é inicialmente clínico, o que inclui reeducação alimentar, a prática de exercícios físicos regulares, o uso de medicação em alguns casos e o acompanhamento rigoroso com endocrinologista, nutrólogo / nutricionista, fisioterapeuta, psicólogo e outros profissionais da saúde especializados no combate à obesidade.
O principal objetivo é conscientizar da necessidade de mudança no estilo de vida, substituindo o sedentarismo e a má alimentação, por hábitos de vida mais saudáveis.
O combate ao sedentarismo é um fator primordial no controle da obesidade. Em um estudo científico internacional recente mostrou que cerca de 23% da população de adultos no mundo é considerada sedentária. De acordo com a OMS, um adulto não é considerado sedentário se praticar, pelo menos, 150 minutos de atividade física de moderada a alta intensidade por semana. Mas no Brasil, os dados são ainda mais graves pois cerca de metade dos adultos (47%) está no grupo de sedentarismo. Esse é o pior resultado da América Latina!
5 – Tratamento cirúrgico
Nos casos em que a obesidade provoca graves danos à saúde e o tratamento clínico se mostra ineficaz, o procedimento cirúrgico pode ser considerado uma boa opção, após avaliação e acompanhamento criterioso de toda equipe interdisciplinar, formada por cirurgiões, endocrinologistas, cardiologistas, nutrólogos ou nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos e outros profissionais da saúde capacitados.
Os pacientes com IMC maior que 35 kg/m² (grau II) quando associado a alguma comorbidade, como as doenças que já foram relatadas acima, ou se apresentarem IMC maior que 40 kg/m² (grau III) são os principais candidatos a serem submetidos à Cirurgia Bariátrica.
Recentemente, foi autorizado pelo Conselho Federal de Medicina, a realização da Cirurgia Metabólica, também conhecida como Cirurgia do Diabetes, porém ainda não faz parte do rol de procedimentos liberados pela ANS (Agência Nacional de Saúde) e, por isso, ainda não são cobertas pelos planos de saúde.
A Cirurgia Metabólica é indicada para pacientes com IMC acima de 30 Kg/m² (obesidade grau I) e que possuem quadro de Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2) de difícil controle clínico. O principal objetivo desse tipo de cirurgia é provocar mudanças na regulação hormonal do corpo e facilitar o controle do DM2, além de manter uma perda de peso sustentável e melhor controle das comorbidades associadas.
6- Tipos de técnicas cirúrgicas
A Cirurgia Bariátrica e Metabólica, também conhecida como Cirurgia da obesidade ou Gastroplastia Redutora, reúne técnicas com respaldo científico destinadas ao tratamento da obesidade e das doenças associadas ao excesso de gordura corporal ou agravadas por ele.
Os tipos de cirurgias bariátricas se diferenciam pelo mecanismo de funcionamento:
Esses procedimentos cirúrgicos podem ser realizados por abordagem convencional ou videolaparoscopia.
O procedimento convencional ou aberto consiste em uma incisão mediana longa no abdome, com cerca de 15,0 a 20,0 cm e era a única forma se realizar Cirurgias Bariátricas até início da década 90.
Já o procedimento videolaparoscópico é realizado por meio de 5 a 6 pequenas incisões (1,0 a 2,0 cm) no abdome, por onde são introduzidos os instrumentos especias e uma câmera própria ligada a um monitor de vídeo. A cirurgia laparoscópica proporciona menos dor no pós-operatório, menor taxa de infecção nas incisões cirúrgicas, menor ocorrência de hérnia incisionais, recuperação mais ágil e rápido retorno às atividades profissionais.
7 – Tipos de procedimentos
Os procedimentos cirúrgicos mais realizados no Brasil e no mundo são o Bypass Gástrico (Fobi-Capella) e a Gastrectomia Vertical (Sleeve), que representam cerca de 90% de todas as cirurgias bariátricas realizadas e apresentam resultados semelhantes a curto e médio prazo.
Os dois tipos de cirurgia possuem diferenças técnicas, mas ambos os procedimentos podem ser realizados por videolaparoscopia, que se trata de um procedimento menos invasivo, com menores taxas de complicações pós-operatórias e uma recuperação mais rápida, como dito anteriormente.
Assim, após avaliação cirúrgica completa será indicada a melhor opção de tratamento de acordo com cada paciente.
A – BYPASS GÁSTRICO EM Y DE ROUX
Nesse procedimento é realizado o grampeamento da parte superior do estômago para criar uma bolsa gástrica (pouch) de aproximadamente 40mL e um desvio no intestino, o que promove a perda de peso por dois mecanismos, tanto restritivo quanto disabsortivo.
É a técnica cirúrgica mais comum no Brasil e corresponde a cerca de 75% das cirurgias realizadas. A média de perda do excesso de peso é aproximadamente 77% em um ano após a cirurgia. Teoricamente, pode ser considerada uma cirurgia reversível pois o restante do estômago ainda continua dentro do corpo. Há necessidade de uso constante de complexo oral de vitaminas.
Em um estudo recente, mostrou que em 96% de certas comorbidades, como hipertensão, Diabetes, apnéia do sono e dor lombar diminuíram ou foram curadas.
Pode apresentar alguns riscos como:
B – GASTRECTOMIA VERTICAL OU SLEEVE
É realizado um grampeamento longitudinal no estômago pra criar um tubo gástrico com aproximadamente 100mL. O restante do estômago é retirado do corpo (cerca de 70 a 80%). Trata-se de um procedimento somente restritivo, pois diminuiu a capacidade de ingestão de alimentos.
Atualmente, é o procedimento mais realizado em todo o mundo.
É irreversível pois a maior parte do estômago é retirada. Teoricamente, pode fazer parte de uma Derivação Biliopancreática com Switch duodenal ou ser revertido para um Bypass Gástrico em Y de Roux.
Não deve ser realizados em pacientes com grandes hérnias hiatais ou doença do refluxo gastroesofágico. Geralmente não é necessária a reposição de vitaminas e nutrientes.
A média de perda do excesso de peso entre 50% a 80% em 2 a 3 anos após a cirurgia.
Pode haver controle do diabetes e da hipertensão em até 50% dos pacientes.
Redução da Síndrome de Dumping.
Pode apresentar alguns riscos:
C – DERIVAÇÃO BILIOPANCREÁTICA COM SWITCH DUODENAL
Combina um nível de restrição menor com alto grau de disabsorção.
O grampeamento é utilizado para criar uma bolsa gástrica, mantendo sua saída natural. A maior parte do intestino é desviada, causando um alto grau de não absorção dos alimentos.
Os resultados mostram que os pacientes podem perder o excesso de peso de 74% em 2 anos, 81% em 03 anos, 84% em 04 anos e 91% em 05 anos.
Pode apresentar distensão abdominal e evacuações ou gases mal cheirosos.
Necessidade de suplementação vitamínica por toda vida.
Recomendável e monitorização por toda a vida para cuidados com má absorção protéica, anemia e doenças ósseas.
Aumento do risco de formação de cálculos biliares.
Irritação intestinal e úlcera gástrica.
D – DERIVAÇÃO BILIOPANCREÁTICA
Aproximadamente ¾ do estômago é removido, restringe a ingestão de alimento e reduz a acidez.
Divide o intestino delgado e uma extremidade é anexada à bolsa gástrica para criar um canal alimentar, o que promove uma menor absorção do mesmo.
Os resultados mostram que os pacientes podem perder o excesso de peso de 74% em 2 anos, 81% em 03 anos, 84% em 04 anos e 91% em 05 anos.
Pode apresentar distensão abdominal e evacuações ou gases mal cheirosos.
Necessidade de suplementação vitamínica por toda vida.
Recomendável e monitorização por toda a vida para cuidados com má absorção protéica, anemia e doenças ósseas.
Aumento do risco de formação de cálculos biliares.
Irritação intestinal e úlcera gástrica.
Suscetibilidade para Síndrome de Dumping, com ingestão de doces, líquidos altamente calóricos ou produtos de laticínios.
8 – Resultados
De acordo com vários estudos científicos, as cirurgias bariátricas possuem bons resultados uma vez que a perda do excesso de peso já é notada desde o início da recuperação pós-operatória e atingindo cerca de 50% a 75% do peso excedente. Em geral, o sucesso da cirurgia de perda de peso é definido ao atingir a perda de 50% ou mais do excesso de peso corporal e manter este nível por no mínimo 05 anos, além do controle adequado das comorbidades.
Em um estudo recente, publicado na revista científica internacional JAMA, mostrou que tanto o Bypass Gástrico quanto o Sleeve são eficazes para perda de peso e controle ou remissão do Diabetes Mellitus tipo 2.
Com isso, a cirurgia pode trazer melhorias em várias doenças relacionadas ao excesso de peso, como hipertensão, diabetes, colesterol alto, problemas no coração, infertilidade, distúrbios do sono, problemas articulares, doença do refluxo gastroesofágico, depressão e outras comorbidades.
Portanto, estudos mostram que a perda de peso e a melhora das doenças associadas à obesidade levam à redução de 40% no risco de morte em geral, de 92% do risco de morte por diabetes, de 56% por doença coronariana e de 60% por câncer.
Importante lembrar e reforçar que a perda de peso após a Cirurgia Bariátrica depende principalmente da aderência do paciente ao tratamento. A cirurgia é uma das etapas de todo o processo de perda e manutenção adequada do peso.
Portanto, seguir uma dieta personalizada e orientada, realizar atividades físicas regulares com supervisão de um educador físico, manter o acompanhamento com toda a equipe interdisciplinar são fatores determinantes do sucesso da cirurgia. Por isso, a perda de peso também depende de VOCÊ!!!
9 – Complicações
A Cirurgia Bariátrica pode trazer inúmeros benefícios para o paciente porém, como qualquer procedimento cirúrgico, não é isenta de riscos. As complicações cirúrgicas e anestésicas durante o procedimento ou mesmo no pós-operatório existem mas são raras. Dependem de vários fatores como a idade do paciente, o grau de obesidade, as doenças associadas e o tipo de técnica realizada.
Dentre as complicações, pode-se destacar trombose venosa profunda, embolia pulmonar, infarto agudo do coração, fístulas (vazamento de secreções intestinais e do estômago para dentro ao abdome ou para pele), infecção, sangramento, hérnias, pneumonia e distúrbios nutricionais, metabólicos ou psicológicos. A mortalidade apresenta uma taxa muito baixa e cerca de 0,1%.
10 – Outros procedimentos em estudos
Existem dois procedimentos relativamente recentes e usados no combate à obesidade que são o implante de Balão Intragástrico e a Gastroplastia Endoscópica. São menos invasivos mas que possuem alguns riscos e complicações. No entanto, ainda não existem dados científicos suficientes para determinar se realmente ajudam na perda duradoura de peso.
11 – Pós-operatório
Essa é uma etapa fundamental para o sucesso na perda de peso saudável. É necessário fazer as consultas de acompanhamento e realizar os exames laboratoriais periódicos, de acordo com as orientações da equipe e o tipo de técnica cirúrgica realizada. Também é importante acompanhar com os especialistas para o controle dos comorbidades que existiam previamente.
Normalmente, atividade física é liberada com 15 dias e a musculação em academias, sob orientação de um educador físico, é liberada após 30 dias, para permitir aumento do gasto calórico e o ganho de massa magra.
O afastamento do trabalho é habitualmente por 30 dias, período necessário para o controle semanal com o cirurgião e adaptação da dieta que inicialmente é totalmente liquida sem resíduos e, semanalmente, vai aumentando a consistência até se normalizar por volta de um mês de pós-operatório.
A queda de cabelo pode ocorrer em alguns pacientes. Geralmente, ocorre após o terceiro e oitavo mês de pós-operatório. A correção da deficiência de algumas vitaminas e nutrientes pode reduzir a queda de cabelo. Porém o acompanhamento com um dermatologista é fundamental nesses casos.
Cerca de um ano e meio após a Cirurgia Bariátrica, o peso corporal já estará praticamente estável e o risco de deficiência de proteínas, vitaminas e outros nutrientes será muito pequeno. Portanto, após esse período de pós-operatório, já estará indicado realizar cirurgias plásticas reparadoras, desde que a paciente tenha atingindo o seu peso ideal e o esteja mantendo estável. Também, após esse período, já é mais indicado optar por engravidar se a paciente desejar, para que a gestação seja saudável para ela e seu bebê. E sempre acompanhada por um ginecologista / obstetra em todo o pré-natal.
11 – Conclusão
É importante ressaltar que a Cirurgia Bariátrica não é uma cirurgia estética ou milagrosa! Na verdade, é uma cirurgia que possibilita o tratamento de uma grave doença que afeta todo o corpo. Assim como toda cirurgia, deve-se ter cautela na indicação do procedimento, uma vez que a operação apresenta riscos de complicações imediatas (até mesmo morte) e possibilidade de desnutrição a longo prazo. Portanto, o acompanhamento regular com uma equipe especializada no tratamento da obesidade, tanto antes quanto após a cirurgia, é o passo fundamental para aqueles que pretendem perder peso, melhorar sua qualidade de vida e sua autoestima.